PODE HAVER QUOTAS GRAVADAS COM RESERVA DE DOMÍNIO?



PARECER CJ/JUCESP nº 385/2005 Protocolado: Exp. s/n°
Interessada: Assessoria da Presidência da Junta Comercial do Estado de São Paulo.
Assunto: Consulta - Quotas gravadas com reserva de domínio.
PARECER CJ/JUCESP nº 385/2005,
1. Visto.
2. A i. Assessora da Presidência consulta a Procuradoria sobre a possibilidade jurídica de arquivamento de alteração contratual na qual foi modificado o quadro societário em razão da alienação de quotas, com reserva de domínio.
3. Postos os fatos, opinamos.
3.1. A reserva de domínio encon­trou disciplina legal nos arts. 521 à 528, do Código Civil.
O Código de Processo Civil, nos arts. 1070 e 1071, já disciplinava, na hipótese de mora do comprador, o modo de proceder do vendedor para receber o preço ou ser reintegrado na posse da coisa alienada com reserva de domínio.
Dispõe o art. 521, do Código Civil:
"Art. 521, Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago. "
O dispositivo legal acima reproduzido expressamente admite que o pacto de reserva de domínio seja ajustado na alienação de coisa móvel.
Em decorrência desse pacto, o vendedor reserva para si a propriedade da coisa móvel, até o pagamento integral do preço.
"Aposto o pacto, fica suspensa a transmissão do domínio, até que seja o preço integralmente pago. Efetuada a solutio, opera pleno iure a transferência da propriedade aquela tradição já realizada contemporaneamente ao contrato, sem necessidade de outro qualquer ato novo, ou nova declaração de vontade, seja da parte do vendedor, seja da do comprador" (Caio Mário da Silva Pereira in Instituição de Direito Civil, 3- edição - Vol III, pg. 156. Editora Forense).
3.2. A reserva de domínio é um pacto adjeto ao contrato de compra e venda de coisa móvel.
A quota parte no capital social é um bem móvel incorpóreo, que confere ao seu titular o direito de participar das deliberações sociais, de perceber lucros, de receber parte proporcional do ativo líquido na hipótese de liquidação da sociedade.
A quota social é também bem móvel infungível, suscetível de ser transmitida através de contrato de compra e venda -cessão - com pacto adjeto de reserva de domínio.
3.3. O pacto de reserva de domínio é uma condição que suspende a transmissão do domínio, até que seja pago integralmente o preço. Embora a aquisição do direito de propriedade sobre a coisa fique suspensa, a sua tradição ocorre desde a celebração do contrato de compra e venda.
O comprador, com a tradição, usa e desfruta do bem e suporta seus riscos, pois paga o preço da própria coisa e não apenas o preço pela sua mera utilização, pelo seu uso e gozo.
Como conseqüência, temos que na cessão onerosa de quota social com reserva de domínio, o comprador pas­sará a integrar o quadro societário e terá os direitos políticos, as vantagens e riscos econômicos inerentes à condição de sócio: votar nas deliberações sociais, ser administrador da sociedade, perceber lucros, participar das perdas, etc.
3.4. A venda com pacto de re­serva de domínio está sujeita à forma escrita e a sua inscrição no registro de títulos e documentos.
O registro do ato na Junta Comercial não substitui aquele obrigatório previsto na lei, não obstante seja a Junta Comercial órgão de registro público.
Efetuar o registro da compra e venda com reserva de domínio no registro de títulos e documentos é garantia do vendedor para que a validade do pacto de reserva de domínio não seja questionada pelo comprador.
3.5. Caso o comprador não pague o preço, o vendedor deverá requerer ao Juiz a cobrança da totalidade da dívida (prestações vencidas e vincendas) pela ação que o título lhe confere, fazendo penhorar a própria coisa ou, comprovando a mora do comprador, pelo protesto necessário do título, poderá
requerer a apreensão e depósito judicial da coisa vendida e, caso o comprador, que pagou mais de 40% do preço, não requeira a concessão de prazo para reaver a coisa, o vendedor pode pedir a reintegração na posse da coisa vendida.
Em outras palavras, no caso de não pagamento do preço, não é possível, salvo se as partes estiverem de comum acordo, que o vendedor proceda à alteração do contrato social, retomando as quotas para si e passando a integrar o quadro societário. Indispensável autorização judicial para tanto, ou expresso consentimento do comprador.
3.6. A reserva de domínio não impede que as quotas sociais sejam cedidas a terceiros. A inscrição do pacto no registro de títulos e documentos do domicílio do comprador o torna oponível "erga omnes", "permitindo ao vendedor perseguir a própria
coisa, de cuja posse despojará o terceiro adquirente, para nela reintegrar-se". (Caio Mário da Silva Pereira in Instituição de Direito Civil, Y edição ­Vol III, pg. 157. Editora Forense).
4. Com estas considerações devolvemos o presente à d. Presidência.
São Paulo, 17 de agosto de 2005.
Vera Lúcia La Pastina
Procuradora do Estado